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UMA SEMENTE NAS FISSURAS DA PAVIMENTAÇÃO Permacultura no IFB Riacho Fundo

Thursday, May 9th, 2019

Por Enguia Ensaboada

    Em uma região de clima tropical, encravada na zona de expansão metropolitana de Brasília – DF, a capital da geopolítica de um país agora chamado Brasil, a pouco mais de 60 anos, neste ponto no infinito do espaço socioambiental, viviam múltiplos seres numa festa singular, erótica e complexa de mundos, experiências e fazeres bem distintos dos de hoje. Este lugar, habitado pelos Jês (ou pejorativamente Tapuias, para os conquistadores e Guaranis), foi por milhares de anos um mundo distante, sapiente e sensiente, outro do que hoje é praticado. Os Nac-Parucs aqui praticavam uma racionalidade erótica de prática espacial, temporal e cultural, uma vivência libertária e estética emancipadora das feições paisagísticas, fazeres humanos e demais seres pelas leis dançantes da comunalidade, da sociabilidade e complexidade instantânea de geograficidades pululantes.

    Um legado de mais de 5 mil anos foi rapidamente incorporado e pavimentado pela maquinarina instrumental do agronegócio, da geopolítica tecnico-burocrática governamental, pelo avanço das ocupações urbanas e ruais avassaladoras, com seus sistemas da escassez, dependência e exploração de corpos e suspiros de vida. Em menos de trinta anos, duas capitais ditas planejadas (Goiânia e Brasília), epítetos da mentalidade enclidiana dos territórios, foram enfincadas como obeliscos nesta paisagem planáltica, em meio à nascentes recortantes do país que abastecem grandes bacias hidrográficas, devastando o cerrado, o solo, os seres vivos, tudo pelo caminho, pavimentando para que o progresso se perpetue pelo sertão, ligue litoral aos confins, fortaleça as narrativas desenvolvimentistas e tecnocêntricas da civilização, seculares da colonialidade do poder, projeto arcaico-ruralista, latifundiário e patrimonialista.

    Uma cidade logo vira metrópole, a complexidade da razão criola, selvagem e insubmissa logo é convertida em quadriláteros sistemáticos e dirigistas de espaços funcionais e centralizados, dominadores, dominantes e dominados, avessos aos espaços libertados, autossuficientes e autogestionados, mundos do saber contente. As suas bordas são pavimentadas, sobram pequenas fissuras muitíssimo degradadas. São nessas fissuras que estamos, alguns ainda não reconheceram isso, quase todos acreditam que esta pavimentação opressiva vai nos salvar das “barbáries” dos sistemas autônomos e integrados do mato, da roça e da vivência anárquica. O progresso é o caminho para os terrenos soltos, esquecidos, onde o mato tomou de conta, onde as feras livres dominam, dizem os pavimentadores e os seus servos.

    Nas fissuras vamos buscando fazer permacultura, permacultura libertária, roças anárquicas, coisas feitas a tempos imemoriais, distantes, na qual fomos submetidos a este esquecimento compulsório. As luzes nos ofuscaram, o progresso nos aliciou, a civilização luminosa nos inebriou e queimou nossas vistas, lavou nossas memórias. Esquecemos de tudo, estamos buscando acordar e relembrar.

    Uma semente está sendo plantada nas fissuras da pavimentação no IFB Riacho Fundo. O Instituto Federal de Brasília, na cidade Riacho Fundo, expansão periférica da capital Brasília,  cidade da territorialidade euclidiana agressiva e pós-moderna. Cerca de 30 alunos do segundo ano do curso Técnico Integrado de Cozinha, desta escola-enclave em meio a periferia urbana do Riacho Fundo, vem conhecendo, aprendendo e apreendendo do zero sobre permacultura. Estão dialogando, indo buscar práticas, experiências e abordagens teóricas na cidade e região de pessoas que dominam saberes ancestrais sobre o trato com a terra, a água, os alimentos e a vida, pela soberania alimentar, pela liberdade de produzir nutritividade e reconciliar a relações amorosas e desejosas com a terra.

    Já foram até o IFB Planaltina, aprenderam técnicas de compostagem, bioconstrução e de sistemas agroflorestais. Vão até o Quilombo do Mesquita aprender com as populações quilombolas sobre a vida e meio de atuação com a terra. Estão implantando sistema de compostagem, no espaço do campus, coleta de água da chuva, uso de catavento para irrigar e hidratar a terra, plantio de sementes crioulas e criação de plantas alimentares não convencionais (PANCs). Estão também recuperando áreas degradas de cerrado, replantando árvores, recuperando solo e buscando criar espaço permanente para horta orgânica urbana. Planejam produzir energia alternativa, biodigestora, solar e eólica. Buscam criar ponto de coleta seletiva no espaço, organizar cooperativa de catadores de materiais recicláveis e estimular a autonomia financeira dos grupos sociais e comunidades em vulnerabilidade. O excedente alimentar será compartilhado com a comunidade carente. Serão criadas feira de ajuda mútua (feira do troca), com produtos e alimentos, trocas de experiências e formação de rede ou teia de sustentação socioeconômica e socioambiental no local. Com o grupo de cultura popular de capoeira angola e samba de roda, tambor de crioula etc., fortalecer as práticas com a comunidade e os grupos.

    O objetivo final é formar nos 30 alunos a habilidade de hortaleiros, fazedores de hortas orgânicas urbanas pela cidade, começando pela casa, expandindo pelo habitat direto, rua, bairro, etc., buscando os terrenos vazios na cidade e criar polos de produção orgânica, na perspectiva da roça libertária, uma roça dentro da metrópole.

    Os principais desafios encontrados relacionam-se ao poder local, a gestão da escola, a falta de envolvimento da comunidade. A passos lentos, com a cacunda virada, mas na vadiagem da ginga  dos aquilombados vamos aquilombando e criolando esse asfalto, ampliando as fissuras em meio a este asfalto quente e modelar.

 

Saudações selvagens! Terra, liberdade, alimento, amor e anarquia!

Para o Desertmaker

Wednesday, April 24th, 2019

Tradução Livre

April 24, 2019

[Enviado para a revista Black Seed há quase 3 meses e não obteve resposta. Foda-se a imprensa da árvore morta, vou postar no raddle]

Eu vejo você, criatura. Eu vejo o que você faz.

Você faz furos no crânio de Terra, molha sua carne com veneno, arranca seus cabelos pelos punhos, corta seus membros, drena o sangue de suas veias e os queima. Isso você chama de crescimento, desenvolvimento, progresso.

Dia e noite você mói os ossos da Terra em pó para erigir sua grotesca eidola até a morte em todo seu torso ensangüentado. Isso você chama de sua poderosa civilização. Um emaranhado de concreto, aço e plástico apontou para mim, então eu sou forçada a olhar para ele.

Você direciona seus servos para construir suas torres cada vez mais altas. Afinal, você é muito especial! A criatura civilizada, sofisticada e altamente respeitada! Contemple o executivo importante no terno sob medida, sapatos criados com a melhor pele de crocodilo! Que espécime impressionante! Que criatura bonita você é!

Você é elevado ao topo de sua torre mais alta para poder se empoleirar no seu santuário opulento à riqueza que você arrancou do corpo da Terra. Você fica de pé e contempla as almas miseráveis abaixo, certificando-se de que cada uma delas saiba que você as governa, que a Terra é seu domínio pessoal. Sua propriedade privada para usar e abusar como quiser.

Eu vejo você, criatura. Eu vejo o que você faz.

Você demoliu suas montanhas sublimes para construir seus shoppings e estacionamentos.Você drenou seus grandes lagos para plantar seus campos de golfe cuidadosamente tratados. Derrubaram suas majestosas florestas para pastar suas bilhões de vacas. Profanaram seus vastos oceanos com seu desperdício podre e podre.

Você é levado a controlar a Terra, a mudar o curso de seus rios, a remodelar suas margens e modificar suas formas de vida para se adequar ao seu apetite voraz. Você não pode imaginar um mundo onde você não possui a terra abaixo de seus pés; possui tudo que a Terra criou como sua.

Você é imperioso em assumir que a Terra será tão afetada por uma criatura passageira e de curta duração como você. Se levar um milhão de suas vidas, Terra irá lavar os volumes de excremento com que você sujou sua superfície.

Você passou sua vida miserável, desesperadamente, cortando seu nome na carne da Terra, mas as feridas da Terra vão se calar, criatura. Muito tempo depois que o sorriso arrogante que você usa em seus lábios se transformou em pó com o resto do seu cadáver, a Terra se regenerará. Todas as bestas belas e diferentes que você erradicou durante a sua breve e vingativa birra renascerão. As árvores se erguerão novamente em bosques magníficos até onde a vista alcança. Tudo o que você tomou será recuperado.

Por um tempo, o Terra ficará tão desolado quanto eu. Um vasto deserto de sua criação.Mas com o tempo, o fedor da morte que você trouxe será levantado e os oceanos voltarão à vida. Então a terra e depois os céus.

Eu sigo em sincronia com o Terra, seguindo cada movimento deles. Estamos em ritmo juntos, Terra e eu. Dançamos essa dança por mais tempo do que você pode imaginar.

Eu vejo você, criatura. Eu vejo o que você faz. Eu vejo o que você é. Eu vejo todo aperto desesperado pelo poder. Toda manipulação e abuso sórdidos para cimentar sua posição no último andar da torre mais alta. As vidas desperdiçadas daqueles que você coagiu ao seu serviço.

Você se acha tão evoluído, criatura. Você olha para baixo em tudo que você roubou, e você se acha digno da graça da Terra. Você devastou o esplendor da Terra e você e sua espécie sofrerão terrivelmente por isso. Tudo o que você sabe vai morrer uma morte sem sentido. Toda criança que você carrega de seus lombos morrerá horrivelmente, seu potencial desperdiçado.

Pensar em todas as coisas criativas e maravilhosas que seus servos poderiam ter manifestado sem as correntes com as quais você as sobrecarregou. Não é de admirar que nunca venha a acontecer por causa de sua fúria cobiçosa.

Eu sempre fui preso a Terra. Embora nunca tenhamos nos tocado, sinto como se eu fosse uma extensão deles. Embora eu mesmo seja desprovido de vida, ajudo no nascimento de toda a vida na Terra. Eu dirijo suas marés;transportar o calor do equador para os seus pólos, despertando o ciclo da vida.

Como tudo ao seu redor desmorona, você sem dúvida vai se retirar de suas torres fétidas no céu e escapar para o fundo da Terra. Lá, você se esconderá e se esconderá do caos que rapidamente se desdobrou no mundo acima.Você certamente usará sua imensa riqueza para se agarrar à vida o máximo que puder, mas eventualmente seu tempo acabará.

Enquanto você se deita em seu bunker subterrâneo reforçado apertando seu último tanque de ar, aguardando o seu fim, e todos que labutaram em trabalho penoso para servi-lo estão mortos e esquecidos, pense em tudo que você realizou durante sua breve existência.Pense no sofrimento sem fim que você causou nas terras da Terra para reivindicar recompensas tão fugazes e inúteis para si mesmo. Pense no profundo vazio dentro de você e em como nenhuma de suas riquezas errôneas poderia preenchê-lo. E agora pense em mim.

Está na hora. Levanta-te do teu túmulo vivo, criatura. Suba os degraus até a superfície.Tropeçar para o escuro e me enfrentar!

Olhe para o vasto deserto que está em testemunho da carnificina miserável que você forjou. Veja como a Terra queima. Contemple o fogo e tenha prazer em saber que você atualizou todas as suas maquinações de poder perverso. Você dominou todos os seres sob você. Usou seu trabalho para aumentar sua riqueza para níveis incomparáveis. Roubaram suas vidas para conceder-se cada vez mais fama, poder e luxo. Você derrotou todos os seus competidores, acumulou todo o capital que você poderia, e agora você pode se levantar e testemunhar o fim de tudo que você sabia.

Olhe e veja, criatura. Veja como o seu deserto é eclipsado pelo brilho que brilha no céu noturno.Olhe para mim, criatura. Olhe para cima enquanto olho para você. Sufoque no ar viciado e tóxico da Terra. Ouça-me rir risonho enquanto você respira seu último suspiro desesperado e finalmente é engolido pelos fogos que você acendeu.

Esta é uma grande vitória para você. Sua vida termina aqui no grande deserto que você fez e ninguém é deixado para amaldiçoar seu nome por toda a dor que você fez.

Criatura absurda, imaginando que você poderia estar acima da antiga vida primitiva que brotou de você. Pensando em seu tempo gasto agitando todas as outras formas de vida em submissão de alguma forma significativa. Terra viu você e tudo o que você é e lavou as mãos de você.

Muito tempo depois que seu cadáver se desintegrar em uma pilha de areia, eu enviarei ondas gigantes para lavar quaisquer ruínas que restarem de sua breve e rançosa civilização.Então os vulcões vão subir da barriga da Terra, a lava vai vomitar nos oceanos e formar novas terras. A vida vai prosperar novamente. Terra vai renascer.

E esperemos que nenhuma das novas criaturas que a Terra carrega durante o seu renascimento seja tão nociva e destrutiva quanto você, desertor sem sentido.

O conteúdo desta postagem surgiu no Raddle.me

A sustentabilidade da morte-vida

Thursday, April 18th, 2019

A sociedade civilizada está morta por dentro, e arrasta sua existência amaldiçoada na tentativa de destruir a vida.

Adorno, em Dialética do esclarecimento, fala sobre a valorização do corpo na publicidade. Ele afirmou que na verdade não há louvor ao corpo vivo (leib), mas sim ao corpo físico (körper). O corpo é valorizado enquanto objeto a ser esculpido pelo indivíduo, para se tornar um objeto de beleza perfeita, atraente.

De modo semelhante, o sentido da vida nesta sociedade é um sentido físico, e não um sentido vivo. Não é a vida em sociedade que se busca, mas o desenvolvimento material da sociedade, esculpida pela política tradicional, para se adequar a um modelo, um ideal de vida social próspera e satisfatória.

É possível viver sendo contrário à vida, numa imitação da vida, uma morte-vida. A sociedade viva (a comunidade humana) está para a civilização como o lieb está para o körper. Não valorizamos a vida em seu sentido amplo, valorizamos um conjunto de condições materiais que esta cultura tecnicista chama de vida. Mas falta um elemento para essa coleção de estados físicos. A ausência desse elemento causa desespero, e o desespero é aliviado pela busca contínua do aumento da qualidade de vida, a busca da felicidade.

A manutenção da vida na sociedade de massas tem um preço impagável: a própria vida humana. Pois a sociedade de massas é um paraíso artificial, e todo paraíso artificial se torna um inferno. A sede prolongada nos faz beber qualquer tipo de líquido, a fome prolongada nos faz comer qualquer tipo de alimento. Nós nos apegamos a esse modo de vida deletério porque ele é tudo que sobrou para nós.

Esta sociedade está construída sob o alicerce de uma razão que se confunde com a razão humana. Essa razão sofreu sua última grande revisão no início da modernidade.

Não estamos presos não por um instinto inelutável, mas por uma reação condicionada adquirida num ambiente confinado. Quem está condicionado se sente compelido a agir de determinada maneira, mas o condicionamento deve ser reforçado para se perpetuar. Todo condicionamento pode ser quebrado.

Assim como há um esforço contínuo para manter a estrutura física da sociedade de pé, há um esforço contínuo para manter intacta a estrutura axiomática dessa sociedade. O colapso da estrutura física não impede que esta sociedade seja reconstruída, mas o colapso da estrutura axiomática determina o fim do sentido de se manter a estrutura física.

Quando as crenças deste modo de vida não puderem mais ser sustentadas, este modo de vida se tornará insuportável.

Como viciados, não é possível enfrentar o próprio vício quando não há sentido fora do vício. Mudar atitudes sem mudar o esquema conceitual é um esforço desperdiçado numa cultura que sustenta o insustentável. Primeiro é preciso mudar os pressupostos.

Fonte:
Contraciv

Territórios estão vivos

Wednesday, April 17th, 2019


Como devemos criar das crianças de nosso tempo? Como nos deleitamos em toda vida terrestre? Como cuidar-nos mutuamente em níveis mais profundos? Queremos a poesia desabrochando para superar nossa era murcha.( Inhabit: Territórios)

Vestígios

Tuesday, April 16th, 2019

Amanhã

Thursday, April 11th, 2019

Definitivamente, a população humana crescente necessita de combustível fóssil para sobreviver. A maioria de nós come basicamente
petróleo e as enfermidades são controladas principalmente através de tecnologias dependentes de grandes quantidades de energia. Esta é outra razão porque duvido da capacidade de ativistas, ou do Estado, para convencer a sociedade a abandonar o combustível fóssil. Parece irreal, mas, ao menos para bilhões de pessoas, o fim da importação de recursos do passado pela humanidade significaria uma vida muito mais curta.Em um mundo significativamente mais quente, a mortalidade massiva de pessoas é uma possibilidade, mesmo sem aceitar a ideia
do pico de petróleo. Quando o terceiro mundo se tornar mais quente e mais pobre, as importações petroquímicas necessárias para manter a produção estarão fora do alcance dos agricultores, mesmo que os combustíveis fósseis ainda não tenham sido esgotados. Pior ainda, enquanto a agricultura industrial aumentou a capacidade de carga da Terra temporariamente, no processo de implementação,grande parte da terra “produtiva” foi desertificada e, sem a aplicação de fertilizantes, agora seria incapaz de produzir a quantidade de comida que poderia produzir originalmente. Mesmo aqueles sulistas sortudos o suficiente para conseguirem acesso ao combustível fóssil, perceberão que suas poções mágicas perderão seu poder quando o solo secar, cozinhar e for arrastado pelo vento. Com uma nutrição insuficiente e falta de medicinas, as enfermidades levarão embora grande parte das pessoas esfomeadas.

É bom imaginar que os países em que ainda pudesse ser possível produzir quantidades consideráveis de comida (em parte graças às condições melhoradas de cultivo – mais sobre isso adiante) a oferecessem aos demais, mas eu não me iludiria tanto: hoje em dia já passa fome um bilhão de pessoas no mundo. Mais que a espetacular e massiva morte de comunidades inteiras, aumentará a mortalidade infantil e produzirá um decrescimento na expectativa de vida em geral. Característica de permitir – e causar – que milhões morressem de
fome (como aconteceu na Irlanda), de forma cada vez mais sangrenta. Mike Davis nos recorda um exemplo bastante esquecido
quando escreve (em Os Holocaustos do Período Vitoriano Tardio) sobre os 30 a 60 milhões de pessoas que no final do século XIX morreram
de inanição “não por estarem fora do ‘sistema mundial moderno’,mas sim justamente pelo processo de serem incorporadas pela força
em suas estruturas econômicas e políticas”. Ao longo do século seguinte,houve ondas de fome similares, muitas delas dirigidas pelos
Estados socialistas, estes esforçados aprendizes do império britânico.Seria utópico e desesperador pensar que a fome pode ser erradicada
da condição humana, mas a realidade de hoje é que muitas pessoas morrem de fome enquanto outras, nessa mesma sociedade,engordam. A fome é a linguagem da guerra de classes. O poder pode adquirir muitas formas; no futuro a fome provavelmente terá entre as mais pobres a forma da violência de gênero, da mesma forma que acontece atualmente. Ainda que a densidade demográfica e os padrões de consumo
industrial estejam estreitamente relacionados, não aprofundarei aqui sobre sua contribuição para o aquecimento global. Hoje, a população
– mundial e local – é um obstáculo para qualquer “descarbonização” significativa. Amanhã, a presente incapacidade do capitalismo para controlar seu vício em combustíveis fósseis implicará num colapso populacional em massa.

“e um vaga-lume lanterneiro que riscou um psiu de luz”

Wednesday, April 10th, 2019

Imagem

A população humana

Wednesday, April 10th, 2019

Apesar dos decretos de patriarcas de cultos como o Papa, a maioria da população utiliza cada vez mais métodos contraceptivos para limitar o crescimento familiar. A contínua luta que nos permite fazê-lo é uma batalha chave, e é uma batalha em que muitas anarquistas – entre outras – têm se organizado. Contudo, a difusão dos contraceptivos – e, de maneira mais ampla, a luta pela libertação da mulher – não deterá a provável duplicação da população mundial durante o tempo de vida da minha geração. Tendo em conta que a

redução da família nuclear é a norma em grande parte do planeta, a habilidade da medicina industrial e as medidas higiênicas são agora chaves fundamentais para controlar a mortalidade. A população humana – ao menos nas projeções que contemplam a manutenção do status quo – continuará crescendo até 2050 pelo menos, sempre que as pessoas que vivem hoje alcancem uma expectativa de vida esperada e tenham o número esperado de filhas. Porém, não temos que esperar até lá para superar a capacidade de carga do planeta (a população máxima que ele é capaz de suportar de forma permanente) já que, provavelmente, é algo que já temos feito. A civilização industrial tem se organizado para aumentar
o fornecimento de alimentos por meio da colonização de mais e mais terra selvagem para uso agrário, e para o desenvolvimento da “revolução verde” com sua agrotecnologia e meios de transporte dependentes de combustível fóssil.

Por definição, a agricultura industrial depende da exploração de “terrenos fantasmas” (combustíveis fósseis) para produzir alimentos no ritmo atual. Isto só pode ser temporário já que, ao menos que você acredite no mito da abundância de recursos ilimitados (e viva ao deus-dará), em algum momento a caça ao petróleo renderá apenas mãos vazias. Quando acontecerá isso ninguém sabe, ainda que muitas digam que já passamos do pico do petróleo. Algumas argumentam que as células de hidrogênio, a energia solar, a engenharia genética, a nanotecnologia e a “praga verde†” poderiam evitar o colapso populacional de alguma maneira. Estes apóstolos do desenvolvimento se parecem cada vez mais com os cultos “cargo”† em sua crença de que a tecnologia desenvolvida pelo mercado (no caso do capitalismo) ou pelo estado (no caso do socialismo) nos proverá de tudo o que é necessário. Diante da improvável chance disto acontecer de fato
e que a provisão de alimentos se mantenha de acordo com o crescimento populacional, a natureza altamente regulada dessa produção e distribuição implicará em uma “provisão de liberdade” (tanto para humanos como para os animais) cada vez mais escassa.

Os terrenos fantasmas alimentam a explosão demográfica

Wednesday, April 10th, 2019

“Sejam prósperos e multiplicai-vos, e povoem a terra, e a submetam: e governem
sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu, e sobre todas as bestas
que se movem sobre a terra.” – Bíblia, Genesis 1:28.

 

A burned truck and structures are seen in the wake of the Butte Fire, which burned over 70,000 acres, on September 13, 2015, near San Andreas, California.

O crescimento do capitalismo industrial foi acompanhado de um vasto incremento da população humana. Na atualidade, somos aproximadamente sete bilhões, em comparação com os 600 milhões do início do século XVIII. Este salto aconteceu em tão somente
13 gerações e isso, em grande parte, não foi acidental. Silvia Federici expôs claramente que um dos fundamentos chaves
para o começo do capitalismo foi a destruição do controle da mulher sobre sua própria fertilidade.

Os ventres se converteram em território público controlado pelo homem e o estado e a reprodução foi colocada diretamente a
serviço da acumulação capitalista. Ainda que tenha sido o capitalismo que o impôs e permitiu essa expansão massiva, o fez seguindo uma antiga tradição de civilizações só que desta vez amplificada através da tecnologia.
Nasci em meados de 1970, quando a população humana era de 4 bilhões; para o dia em que eu morrer (não antes de 2050, espero)
a ONU calcula que a população na terra superará os 9 bilhões de qualquer forma, estas previsões assumem que haverá
mais do mesmo. Se isto acontecerá ou não, depende de três fatores estreitamente relacionados: controle de natalidade, controle de
mortalidade e recursos alimentares.

 

O controle

Wednesday, April 10th, 2019

Publicado em Contraciv

Civilização é sobre controlar violentamente a natureza, porque a civilização se percebe como vítima de um controle opressivo da natureza. Mas é realmente possível controlar a natureza sem colocar em risco nossa própria natureza?

Ter o controle sobre sua própria vida é um pressuposto para a autonomia. Mas controlar outros para obter poder diminui não somente a liberdade do controlado, como também a autonomia do controlador, que se torna dependente desse controle. As necessidades naturais são muito poucas, elas preservam a autonomia em ambos os lados da relação. As necessidades artificiais se acumulam, crescem na medida em que a sociedade se complexifica, invertem os mecanismos de limitação e geram relações abusivas.

Toda questão recai sobre a distinção entre os limites da ação humana e da ação dos demais seres, ou seja, do meio. A civilização vive sob a ilusão de que obter um controle maior sobre o meio (os agentes externos) produz necessariamente uma autonomia maior, uma emancipação humana. Mas a natureza sempre encontra um meio de reequilibrar a relação, colocando o homem no seu devido lugar. Nossa relação abusiva e opulenta com a natureza irá eventualmente chegar a um limite. A civilização chama isso de “fim do mundo”. Ela teme isso mais do que qualquer coisa.

A crença no controle nos distingue de todo resto dos seres vivos deste planeta, incluindo os grupos humanos que permaneceram fora do jogo civilizado. Achamos que podemos obrigar os seres a cumprirem o papel que nós damos a eles. Não fugimos do controle opressivo, nós o criamos. A ânsia de se livrar das limitações naturais nos fez perder a capacidade de distinguir entre ações livres e ações condicionadas. A perda dessa distinção é a origem da nossa crise de identidade. Não sabemos mais quando estamos sendo nós mesmos.

Nosso inimigo é a ilusão de que devemos governar o mundo.